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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

cotidianas #141 - Y así...



Minha agenda é um rascunho de poemas inacabados
Meus dias são escritos em linhas tortas
Onde Deus não incide
Dias de um calendário que já não está mais aqui
Onde fui parar?
Que endereços são estes que me esqueci de onde ficam?
Perdi-me
Horas, dias que não são mais eu
Não mais sou
(Não mais sou?)


arte: Daniel Rodrigues
Frases que não querem se concluir
Poesias que se prendem ao papel
E nunca, nunca, jamais!, tomar vida
As folhas são sua casa
E, fechadas, no calor das páginas unidas, podem se eternizar naquilo que nunca foram


Outras dessas, porém
drummoniamente
Se libertam
descolaram-se
Ilíadas temerosas
Ansiosas para serem invadidas de sentido
E que, hoje, olham para o ventre de onde saíram e quase não se reconhecem
“Eu fui eu?”, perguntam-se com espanto
É de se espantar


Meses repetitivos, que não mais se repetem
Me angustia, mais do que tudo, não compreender palavras que eu mesmo escrevi
O que contém ali?
Quem eu era naquela hora, ali, quando a caneta feriu o papel?
Anagramas, hieróglifos, traços, borrões, desenhos de eus
Quase letras


Nomes irreconhecíveis
Lugares sem destino
Tarefas cumpridas ou não
Coisas inconclusas
Leio:
“Cata-vento”
“Andrea”
“Caixa forte”
“Pobreza”
“431”
“Noves fora”
e não identifico nada disso aqui dentro
Não lembro do que eu sou-fui neste passado de presentes
Folheio e folheio e não me encontro
Onde fui?


Caibo ainda?

5 comentários:

  1. Notável! Admirável! Lindo!
    Daquelas coisas que a gente gosta de ler porque provavelemnte teria gostado de escrever.
    Lembra a interiorização do ato de escrever que a Clarice Lispector costumava expôr, tipo 'Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe(...)para escrever tenho que colocar-me no vazio (...). Escrever é uma pedra lançada num oço fundo.'
    Lembra também aqueles estímulos corajosos do Bucowski como 'Não há nada que impeça um homem de escrever, a não ser que ele impeça a si mesmo (...) Não há perdas em escrever. Faz seus dedos dos pés rirem, faz vc andar como um tigre (...) A sorte da palavra. Vá com ela, mande-a. Seja o palhaço nas Trevas...'.
    Mais uma vez, MUITO BOM. Parabéns e obrigado. Adorei.

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  2. Lindo! O final, especialmente, me arrepiou! *___*

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  3. Que especial esses retornos, gente! Arrepios, sentimento de admiração, referências a Lispector e Bokowski, com quem me identifico pra caramba. Poxa, só posso agradecer da forma que talvez melhor sei: em palavras.
    Beijos.

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  4. Parabéns! Retrata com beleza, a dificuldade de quem escreve de apreender a inspiração diante da sua brevidade e da pressa do tempo. Iara.

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  5. Nossa, que lindo... arrepiante ! Lindo, sensacional, intenso e tão poético.
    Parece mesmo Clarice. Na sua eterna ânsia de ser/saber/estar. Já sou sua fã incondicional, agora virei mais.

    É muito prazeroso ler assim.
    Beijo, love!

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