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terça-feira, 3 de junho de 2025

"Homem com H", de Esmir Filho (2025)


Tinha uma frase do Casseta & Planeta que dizia que determinado personagem do programa, era "macho até debaixo de outro macho". O bordão homofóbico do personagem jocosamente estereotipado do programa humorístico, por incrível que pareça, serve para ilustrar o possível pensamento daquele espectador mais reticente que tenha ido assistir "Homem com H". Mesmo que o cidadão vá munido de todo o preconceito e homofobia em seu pobre coraçãozinho, ele vai, inevitavelmente, sair do cinema admirando Ney Matogrosso.

Ainda que a vaidade e a insegurança masculina tenham a pretensão de associar diretamente ao homem a bravura, a firmeza, a força, mesmo que essas qualidades sejam igualmente comuns a mulheres "mais macho que muito homem", como diria a brilhante Rita Lee, aceitando a premissa do 'machão' para efeito de reflexão, no caso particular de Ney Matogrosso, qualquer um há de admitir que tem que ser muito macho pra encarar as barreiras que aquele cara teve na vida. Se coragem, personalidade, persistência, convicção são sinônimos de macheza, Ney teve tudo isso de sobra a vida toda independente de sua orientação sexual. A escolha do nome do longa certamente não foi por acaso, ainda mais em se tratando do título de uma música cujo próprio cantor relutara em interpretar, como revela o próprio filme. O título em si traz uma inegável provocação cuja abordagem torna-se quase inevitável mesmo diante de tantos outros aspectos positivos e relevantes do filme como a estética, a fotografia, a trilha sonora, a direção de arte, o figurino, tudo igualmente elogiável. Esmir Filho (assessorado pelo próprio Ney) tinha que salientar que aquele cara enfrentou pai, discordou da própria banda, abdicou do sucesso, desafiou o sistema, rompeu com padrões, encarou mudanças, se arriscou como artista, venceu pela arte e nunca abriu mão de ser quem realmente era. Isso sim é um "Homem com H".

Na minha sessão, uma plateia composta em sua maioria por pessoas de meia idade, casais até mais velhos, idosos. Fiquei pensando que talvez nem todos ali tivessem a cabeça tão aberta para aquilo que acabavam de ver, possivelmente a maioria tivesse recebido uma criação conservadora como fora a daquela geração, e que alguns daqueles tenham sido obrigados, contrariando seus valores e concepções, a se render ao filme, ao artista, sua obra, sua personalidade, uma vez que o filme foi entusiasticamente aplaudido ao final. Quero crer que ali caíram, ainda que momentaneamente, barreiras de homofobia, identidade, escolhas, ou seja lá o que for, para que aqueles que lá estavam tivessem que admitir, "Esse cara é foda!".

Filme bem conduzido, a organicidade de Ney é muito bem captada e traduzida pelo diretor, a fotografia é precisa, e a atuação de Jesuíta Barbosa, repito é impecável e impressionante.

Nessa leva recente de cinebiografias de personalidades do mundo da música, certamente a de Ney Matogrosso é uma que se destaca. Filme com F maiúsculo!

Jesuíta Barbosa encarna Ney de corpo e alma para
viver sua trajetória no longa.


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"Homem com H"
Título Original: "Homem com H"
Direção: Esmir Filho
Gênero: Drama/Biografia/Musical
Elenco: Jesuíta Barbosa, Bruno Montaleone, Jullio Reis
Duração: 129 min
Ano: 2025
País: Brasil
Onde assistir: Nos cinemas

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Cly Reis 

domingo, 1 de junho de 2025

cotidianas #865 - Os anjinhos

 



Pareciam um bando de abelhinhas aquelas crianças desembarcando do ônibus, pela agitação e pelo zunzunzum que faziam. Cada uma mais tagarela e serelepe que a outra, ainda excitadas pela novidade do passeio. Não que o museu de mineração da cidade vizinha fosse lá  grande coisa, mas como o mais longe que tinham ido até então tinha sido o parque municipal, na frente da igreja, a pequena excursão era algo quase de outro mundo.

- Estão agitados, hein. - comentei com o professor Paulo que coordenava a reentrada na escola.

- Ô!!! E como! - respondeu simulando uma fadiga e sorrindo.

- E como foi lá? - perguntei.

- Lá, tudo bem. O problema foi na estrada, já aqui perto, na entradinha da cidade. Um caminhão perdeu a direção, acho que os freios, não sei, e quase bateu no nosso ônibus.

- Nossa!!!

- Pois é. Se não fosse o Nestor ter feito lá uma manobra, um jeito que ele deu, estaríamos todos espalhados lá na estrada.

- E as crianças? - indaguei ainda impressionado.

- Nem perceberam! Estavam numa algazarra e quando o Nestor fez a manobra, disfarcei que tínhamos desviado de um animal ou algo do tipo.

- Que sorte, hein! Graças a Deus está todo mundo bem. - falei.

- Sorte, mesmo. - confirmou o professor afagando a cabeça da última criança que passava descendo do ônibus, conduzindo-a ao portão da escola - Bom, agora deixa eu entrar com eles que daqui a pouco os pais vem buscar.

- Ah, claro. Pode ir, professor. Eu já  vou indo. Já limpei o corredor como a diretora mandou, recolhi os brinquedos que estavam espalhados no pátio e guardei aquelas caixas no depósito.

- Tá bom, Zé. Vai lá. Nos vemos amanhã.

- Até, professor.

Botei minha bolsa sobre um dos ombros e peguei meu caminho. Era uns três quilômetros até em casa mas sempre fizera aquele caminho a pé. Gostava de ver as coisas, a prefeitura, a praça, a pontezxinha de madeira, as casas, cumprimentar o pessoal da cidade... Da escola pra minha casa dava uma meia hora. Passava a igreja, saía do centro velho, passava o riachinho, atravessava a estrada na entrada da cidade e já tava lá. Era perto de onde o professor contou que... Nem é bom pensar... Ai, Deus nos livre! Tanta criança.

Já estava perto. Passei a ponte do riacho, segui a trilhazinha, saí na estrada.

Vem um ônibus escolar. Bem parecido com o que tinha deixado as crianças lá há pouco tempo... No mesmo instante, lá de cima, emergindo de trás das árvores na curva, vem uma carreta, dessas de carga, longa. Ele vem muito rápido, muito rápido. Não vai conseguir parar. Parece que não consegue, não tem freios ou algo assim. Ela é preta como a morte.

Meu Deus!

O ônibus, o caminhão, as crianças... Não pode ser. Não pode ser.



Cly Reis 


quinta-feira, 29 de maio de 2025

"Kind of Blue – A História da Obra-Prima de Miles Davis", de Ashley Kahn - ed. Barracuda (2007)



por Márcio Pinheiro


"Use este livro como uma introdução, um guia de escuta, uma maneira de compreender que há muito mais nesses 40 minutos de grande jazz do que o ouvido é capaz de captar. Permita que este livro mostra a você que, às vezes, o que fala menos é o que mais tem a dizer."
Ashley Kahn

Foram apenas dois dias de gravações que resultaram em 45 minutos que resumem um dos pontos mais altos da história da música. O relato desse encontro histórico, que reuniu um grupo de sete instrumentistas comandados pelo trompetista Miles Davis, está nas 256 páginas do livro "Kind of Blue – A História da Obra-Prima de Miles Davis", de Ashley Kahn.

No dia 2 de março de 1959, o septeto entrou em uma velha igreja em Nova York que havia sido transformada em estúdio. Não tinham muita certeza sobre o que pretendiam gravar. O líder, Miles Davis - que completaria 99 anos no último dia 27 -  tinha algumas ideias, que foram ampliadas com os palpites dos saxofonistas John Coltrane, Cannonball Adderley e, principalmente, do pianista Bill Evans – os outros músicos eram o contrabaixista Paul Chambers, o baterista Jimmy Cobb e o pianista Wynton Kelly.

O trabalho de Kahn começa com um foco amplo, destacando a figura de Miles – sua infância sem traumas (ao contrário de muitos outros músicos de jazz), sua formação musical, sua proximidade com Charlie Parker e Dizzy Gillespie, seu envolvimento com drogas e sua capacidade em transitar por vários estilos musicais. Depois, o autor faz um ajuste de sintonia para se deter apenas ao que diz respeito a "Kind of Blue". Kahn mostra que é possível enxergar melhor o mundo do jazz apenas através de um detalhe.

É aí que o livro cresce, principalmente pela exaustiva pesquisa que esmiúça faixa a faixa, solo a solo, músico a músico, além de trazer comentários sobre o local e a técnica de gravação, a produção da foto da capa, a feitura do texto da contracapa e os comentários das pessoas envolvidas.

Obra perfeita, da concepção (com exceção de uma faixa, tocada duas vezes, tudo foi registrado no primeiro take, de maneira espontânea) ao lançamento, "Kind of Blue" até hoje surpreende quem ouve. Ou, como diz o autor logo nas primeiras páginas, é um álbum que simplesmente tem o poder de silenciar tudo ao seu redor.

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Ouça o disco "Kind of Blue"
Miles Davis

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Música da Cabeça - Programa #413

 

Sebastião Salgado, esse gênio que nos deixou, cantava enquanto fazia fotografias. E a gente, para chegar perto de Deus como ele, canta também. No MDC desta semana, ele será motivo de música, assim como o serão The Cure, Daniel Salinas, Cocteau Twins, frevo, Lou Reed e outros. No Palavra, Lê, também louvamos Bob Dylan, que sempre é hora. O programa aponta suas lentes às 21h em direção à amazônica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e pés na terra: Daniel Rodrigues




www.radioeletrca.com


Capas de K7 III - "Zooropa"


 






RODRIGUES, Daniel
"Zooropa"
Arte para fita cassete doméstica sobre o disco da banda U2 pela gravadora Island
Recorte e colagem sobre papel revista
9,5 x 10,3 cm
1993