Ainda que a vaidade e a insegurança masculina tenham a pretensão de associar diretamente ao homem a bravura, a firmeza, a força, mesmo que essas qualidades sejam igualmente comuns a mulheres "mais macho que muito homem", como diria a brilhante Rita Lee, aceitando a premissa do 'machão' para efeito de reflexão, no caso particular de Ney Matogrosso, qualquer um há de admitir que tem que ser muito macho pra encarar as barreiras que aquele cara teve na vida. Se coragem, personalidade, persistência, convicção são sinônimos de macheza, Ney teve tudo isso de sobra a vida toda independente de sua orientação sexual. A escolha do nome do longa certamente não foi por acaso, ainda mais em se tratando do título de uma música cujo próprio cantor relutara em interpretar, como revela o próprio filme. O título em si traz uma inegável provocação cuja abordagem torna-se quase inevitável mesmo diante de tantos outros aspectos positivos e relevantes do filme como a estética, a fotografia, a trilha sonora, a direção de arte, o figurino, tudo igualmente elogiável. Esmir Filho (assessorado pelo próprio Ney) tinha que salientar que aquele cara enfrentou pai, discordou da própria banda, abdicou do sucesso, desafiou o sistema, rompeu com padrões, encarou mudanças, se arriscou como artista, venceu pela arte e nunca abriu mão de ser quem realmente era. Isso sim é um "Homem com H".
Na minha sessão, uma plateia composta em sua maioria por pessoas de meia idade, casais até mais velhos, idosos. Fiquei pensando que talvez nem todos ali tivessem a cabeça tão aberta para aquilo que acabavam de ver, possivelmente a maioria tivesse recebido uma criação conservadora como fora a daquela geração, e que alguns daqueles tenham sido obrigados, contrariando seus valores e concepções, a se render ao filme, ao artista, sua obra, sua personalidade, uma vez que o filme foi entusiasticamente aplaudido ao final. Quero crer que ali caíram, ainda que momentaneamente, barreiras de homofobia, identidade, escolhas, ou seja lá o que for, para que aqueles que lá estavam tivessem que admitir, "Esse cara é foda!".
Filme bem conduzido, a organicidade de Ney é muito bem captada e traduzida pelo diretor, a fotografia é precisa, e a atuação de Jesuíta Barbosa, repito é impecável e impressionante.
Nessa leva recente de cinebiografias de personalidades do mundo da música, certamente a de Ney Matogrosso é uma que se destaca. Filme com F maiúsculo!
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Jesuíta Barbosa encarna Ney de corpo e alma para viver sua trajetória no longa. |
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Cly Reis